A dança da alegria

A dança da alegria - CA Ribeiro Neto

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O Ceará urbano e a sociedade dissimulada de A Normalista de Adolfo Caminha



O Ceará urbano e a sociedade dissimulada de A Normalista de Adolfo Caminha



Terminar uma leitura com um nó na garganta, faltando poucos minutos para começar o expediente de trabalho não é legal. Mas se isso for necessário para se ler o livro A Normalista, de Adolfo Caminha, então, afirmo que todos devem sentir igualmente.
Primeiro conto o inusitado caso de como consegui esse exemplar. Eu fui de férias para Belém do Pará e uma das minhas programações era conhecer livrarias e sebos paraenses e comprar alguma coisa da literatura local. Não é que tal Estado não tenha bons escritores, mas não me agradei com o que encontrei. Mas, vasculhando bem por lá, encontrei um livro de um autor cearense que sempre tive vontade de ler, mas não oportunidade. Uma edição linda, capa dura, folhas amareladas, um pouco mofado, mas nada exagerado.
Além do fato de eu viajar vários quilômetros para comprar um livro paraense e acabar comprando um cearense, o que há de mais curioso é que no teor da história começa com uma relação entre os dois Estados: o livro conta a história da Maria do Carmo, uma adolescente que acompanhou o pai no êxodo, do interior para Fortaleza. Mas daí em diante, o pai resolveu tentar ganhar a vida em Belém, enquanto a moça ficou aos cuidados do padrinho João da Mata. Vejam como Adolfo Caminha coloca a comparação entre as duas cidades na voz de João:
A vida no Ceará não valia coisíssima alguma. O Pará, sim, aquilo é que é terra de fatura e de dinheiro. Um homem trabalhador e honesto como o compadre, com uma pouca de experiência, podia enricar da noite para o dia. Os seringais, conhecia os seringais? Eram uma mina da Califórnia. Tantos fossem quantos voltavam recheados, de mão no bolso e cabeça erguida. E o Ceará? Fome e miséria somente. Num mês morriam três mil pessoas, eram mortos a dar com o pé, morria gente até defronte do palácio do governo, uma lástima!” - A Normalista. Adolfo Caminha. Pág. 33

Já nessa primeira citação deu para notar o tom forte que são as palavras do autor. Em todo o livro ele é assim, não só critica o lugar, como a sociedade e os seus personagens.
É interessante ver um livro da época do Proclamação da República, no Ceará, em tom urbano, ainda que não modernizado. Algo infelizmente tão incomum na literatura cearense. E essa urbanização traz a característica, comum em tantas obras, de ser amada e odiada. O livro louva que a capital é melhor lugar que o interior, mesmo com
...esse tumultuar quotidiano de virtudes fingidas e vícios inconfessáveis, esse tropel de paixões desencontradas, isso que constitui, por assim dizer, a maior felicidade do gênero humano, esse acervo de mentiras galantes e torpezas dissimuladas, esse cortiço de vespas que se denomina – sociedade.” - A Normalista. Adolfo Caminha. Pág. 34

Os personagens são, cometendo injustiças: Maria do Carmo, a tal normalista, adolescente meiga, que morria de amores pelo namoradinho e era abusada pelo padrinho, detestava esse abuso, mas recorria a ele quando necessitava de algo; João da Mata, o padrinho sem escrúpulos que ficou obcecado por tirar a virgindade da afilhada; Zuza, o namoradinho da alta sociedade, que apesar de a amar, fugiu para Recife, evitando um casamento escandaloso por questões de status social; e os demais personagens também, todos, cheios de defeitos.
A história, apesar de não muito grande, é bem construída, ponderando-se sempre as questões pessoais e sociais de cada personagem. Um personagem é nobreza num dado contato pessoal e plebeu em outro.
Há passagens memoráveis no livro. O casamento da amiga, a morte e o enterro do presidente da província, os passeios escondidos do casal apaixonado, a cena principal, que é do João tirando-lhe a virgindade. Todas bem curiosas.
Sem falar de um final incrível, que para evitar revelar algo, mais levantar a curiosidade, menciono apenas que os contemporâneos do autor, e seus atuais leitores, como eu, devem todos terem se assustado com o que leram.


CA Ribeiro Neto
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ESCUTANDO NO MOMENTO: Jogador - João Bosco
LENDO NO MOMENTO: A Normalista - Adolfo Caminha - Concluído || O Livro das Perguntas - Pablo Neruda - pág. 38 || A Insustentável Leveza do Ser - Milan Kundera - pág. 0 || O Cravo Roxo do Diabo - org. Pedro Salgueiro - pg. 27.




| Boa Sorte |

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A era Gil

Um texto que há muito tempo eu queria fazer.



A era Gil



Gil passava pelo mesmo corredor, novamente. Um último jogo da carreira, depois 20 anos de jogador profissional, foi o motivo de voltar ao clube onde tudo começou.

O presidente da agremiação foi buscá-lo em casa, com fortes seguranças e ao descer do carro, uma chuva de flaches fotográficos. Tudo tão diferente e ao mesmo tempo parecido com o seu começo. Tantas vezes tentou a peneira e tantos nãos recebidos, e sua mãe decidiu que só tentaria mais uma vez. No caminho da última peneira, seu ônibus, atrasado, encontra um manifestação de professores lutando por melhores salários, o motorista atropela um dos manifestantes e os mesmos brilhos fotográficos da imprensa. Podia ser seu pai, professor, atropelado.
 
Entrou na sede do clube e foi direto para a coletiva com os jornalistas. Lembrou-se então, que na última peneira, colete número 17, ele marcou três gols, mas não comemorou. O olheiro o chamou e perguntou sua idade. 16. já erá velho demais. Mas o presidente, o mesmo de hoje, gostou; logo, foi contratado.
Encontrou-se com os outros jogadores e, durante a preleção do técnico, professor, pediu para falar também. Emocionado, lembrou que futebol é um esporte coletivo e que ele não seria nada sem seus companheiros. Típico discurso de jogador de futebol. O que vinha na cabeça dele, na verdade, era que ele contou também com muita sorte ou a falta de sorte dos outros. Os outros centroavantes do sub-16 eram muito ruins, o camisa 9 titular e o substituto imediato estavam contundidos e então ele foi levado ao time principal por força do destino.
 
Em sua primeira partida ele estava no banco de reserva, camisa 17, de um time com 3 volantes e sem atacante de área. Como no primeiro tempo o time estava perdendo de 2 a 0, ele entrou no começo do segundo, na saída de um dos cabeças de área. Com dois pontas, um maestro, um volante de ligação e dois laterais medianos para lhe servir e mais um zagueiro meio manco no time adversário, ele fez mais 3 gols. Caiu nas graças da torcida.
 
Indo para o estádio, um pagode no fundo do ônibus. Fechou os olhos por um momento e lembrou do mundo que lhe apareceu depois daquele jogo. Festas, bebidas, mulheres. Por pouco não experimentou drogas, se não fosse pelo zagueiro Zé Luiz, um cherifão que lhe impediu no momento e que agora ele é inteiramente grato.
 
No vestiário, abraçou calorosamente o roupeiro do time, o mesmo que lhe deu a camisa 17 para vestir a vinte anos atrás. Olhou bem para ele e disse: “todo roupeiro de cada clube é sempre o maior torcedor de todos, mas você foi o primeiro que acreditou em mim. Entregou meu uniforme, segurou a minha mão e ordenou que eu me tornasse ídolo. Aqui estou eu para bater continência!”. O roupeiro chorou e molhou a nova camisa 17, a que ele usaria hoje.
 
Aquela camisa amarela e cinza, do Real Messejana, era especial. Já vestiu outras, nacionais, internacionais, da seleção brasileira, fora até apelidado na Itália como Impiedoso, mas a famosa “ouro e prata” era, para ele, a mais bonita. Correu para dentro do campo e escutou a torcida gritando novamente seu nome. Esperto, pediu antecipadamente que a imprensa não tivesse acesso ao campo; assim, sua despedida seria bem mais bonita. Percorreu todo o entorno do campo, acenando para a torcida que o aplaudia de pé.
 
Em seu último jogo, marcou 3 gols e saiu no meio do segundo tempo. Estava finalizada a era Gil. O impiedoso não deixou de agradecer a ninguém tudo que viveu e a todos que influenciaram para que a vida dele se encaminhasse ao que é hoje. Lembrou-se, então, quando lhe perguntaram o que iria fazer após se aposentar e ele respondeu: “Provar a vocês que continuo vivo”.

CA Ribeiro Neto
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ESCUTANDO NO MOMENTO: Um homem também chora - Gonzaguinha
LENDO NO MOMENTO: Orgulho e Preconceito - Jane Austen -  pg. 178 || A Normalista - Adolfo Caminha - pg. 168 || O Cravo Roxo do Diabo - org. Pedro Salgueiro - pg. 27. 



Boa Sorte ||

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Ana

Poesia antiga, sobre diferentes histórias, de diferentes Anas.

ANA

Fala Flor!
Lavra essa terra que agora é tua
Lava minha pele com tuas pétalas
E deixe que seu orvalho me reconstrua.

Chora Rosa!
Enforca essa mágoa em forma de dor
Esnoba a confiança que conquistara
Utiliza seus espinhos como defensor

Mima Margarida!
Me ensina a gostar da abelha
malícia verdadeira de viver
Só assim ela não me aperreia

Roga Hortência!
Penitência pelo pecado que cometi
Clemência é o que eu te peço
Até pelo que eu não fiz.

CA Ribeiro Neto

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ESCUTANDO NO MOMENTO: Pulsação Tropical - Gonzaguinha
LENDO NO MOMENTO: Tocaia Grande - Jorge Amado - Completo || Orgulho e Preconceito - Jane Austen - 123 || A Normalista - Adolfo Caminha - pg. 132. 


Boa Sorte || ApontArte
 

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Mistura-se dois vícios

Bem, continuando a minha saga brega, faço mais um conto adaptado de uma música. Desta vez vamos de Bartô Galeno e a música "No Toca-fita" [segue a letra e o vídeo da música aqui]




Mistura-se dois vícios



No toca-fita do meu carro, uma canção me faz lembrar você. A noite, que tantas vezes sorriu, minguante, para mim, hoje é triste, uma lua nova, como a dor que nunca tinha sentido antes. Cansado de beber sozinho, de escutar a alegria alheia, tinha resolvido ir para outro lugar, que não fosse a casa que guarda a cama que antes era nossa.

Entro no carro para depois pensar aonde ir, daí ligo o toca-fitas. Não me lembrei de nenhum canto legal para se curtir sozinho, minha diversão era conjunta, contigo. Tento me lembrar de algo que eu fizesse sem ti e só me recordei do cigarro pós-sexo. Acendo um, na tentativa insana de tentar pensar em alguma outra coisa, em vão, o cigarro era melhor quando se transava antes, conjuntamente, contigo, antigamente.

Olho para o banco ao lado, passo a mão, querendo sentir sua pele, resgatar os resquícios que ainda possa haver de seu cheiro. Mistura-se em meu olfato a fumaça do cigarro e a lembrança do seu aroma. Dois dos meus vícios confrontam-se nesse momento.

Desisto de tentar te esquecer por hoje, procuro no porta-luvas o que tiver para saciar a saudade, encontro um lencinho, branco mas amarelado, com um bordado, uma qualidade entre suas prendas. Com um entrançado de linhas, nossos nomes na cor de vinho, afinal, era a nossa cor, o tom dos seus cabelos, a cor das camisas que você dizia que combinava comigo.

Não sei se é o trago, mas há algo travando a minha garganta. Aliás, agora que estou sozinho, eu posso chorar.


CA Ribeiro Neto
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ESCUTANDO NO MOMENTO: Plano de voo - Gonzaguinha
LENDO NO MOMENTO: Tocaia Grande - Jorge Amado - pg. 412 || A Normalista - Adolfo Caminha - pg. 64.


Boa Sorte || ApontArte