A dança da alegria

A dança da alegria - CA Ribeiro Neto

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Fortaleza, minha querida - parte 1

Bem, fazendo um registro da cidade, eis algumas coisinhas que sei e que quero compartilhar. Para quem não conhece muito do mapa de Fortaleza, favor olhar aqui.


Fortaleza, minha querida.

No texto passado falei das nuvens na cidade-amante, e é óbvio que estava falando de Fortaleza. Afinal, acho que todos sabem da admiração que tenho por esse lugar. Vou falar, então, de suas peculiaridades do passado, do presente e das atemporais.
O mar é algo muito importante para Fortaleza. Até por orientação cartográfica: se você estiver de frente para a Barra do Ceará, Orla do Pirambu, Praia de Iracema, Beira-Mar, Titanzinho, estará virado para o Norte da Rosa dos Ventos.
Já quem estiver na Praia do Futuro, Sabiaguaba e Abreulândia estará na porta de entrada do vento, pois é nesse sentido diagonal que a brisa marítima entra na cidade. E aí fica a dica: independentemente de onde estiver em Fortaleza, se quiser saber se vai chover ou não, basta ficar de frente para onde seria as primeiras praias citadas e olhar para o seu nordeste, que seria a direção das segundas praias citadas; se tiver nuvens escuras vindo de lá, é porque é muito provável que chova. Não sei se ficou claro, mas tudo bem...
Essas nuvens marítimas vêm do meio do atlântico carregadas de vento frio, que traz consigo outra característica peculiar da cidade, o vento que é tão forte e que ameniza o calor louco que tem por aqui. Hoje em dia as sentimos menos, devido aos enormes prédios que foram postos em nossa orla. Mas o vento ainda corre por nossas ruas xadrez.
As ruas xadrez são a parte projetada da cidade, que começou no Centro e que ao longo do tempo se estendeu para bairros vizinhos. Para quem não conhece, ruas xadrez são o entrelaçado das vias iguais a um tabuleiro, formando sempre quadrados iguais para casas e comércios. Há muita divergência se esse sistema é bom ou não para o fluxo da cidade. Uns dizem que dá lógica ao trânsito e foi esse o motivo de implantarmos, outros dizem que eles fazem o veículo parar muito em cruzamentos ao invés de dar uniformidade ao caminho. Enfim, deixo a discussão para os arquitetos.
Esse xadrez todo foi uma ideia importada da França, numa época que todas as ideias eram importadas de lá. Nessa época, finalzinho do século XIX, tudo aqui lembrava Paris. Inclusive a literatura. E foi daí que surgiu a Padaria Espiritual, totalmente inspirada no Modernismo europeu e que trazia para cá as ideias inovadoras e popularizadoras que os Andrades divulgaram no Rio só em 22. Entenderam? O Modernismo brasileiro nasceu aqui! Adolfo Caminha, Antônio Bezerra, Antônio Sales e muitos outros fizeram da Padaria um acontecimento único. Eles traziam tudo que a Semana de 22 trouxe, com uma coisinha cearense a mais: a molecagem. Vejam só o artigo 16 do Estatuto da Padaria Espiritual:

“Aquele que durante uma sessão não disser uma pilhéria de espírito, pelo menos, fica obrigado a pagar no sábado café para todos os colegas. Quem disser uma pilhéria superiormente fina, pode ser dispensado da multa da semana seguinte.”


Outro marco da irreverência fortalezense foi o caso do Bode Ioiô. Este personagem hoje está empalhado no Museu do Ceará, para que todos possam ver sua imponência. Ioiô rondava as ruas do Centro e era muito querido por todos que passavam pelo local. Inclusive, as pessoas que o alimentavam, dando-o comidas e bebidas – sobretudo as alcoólicas. Seu nome se deu porque a casa de seu “dono” – aspas porque todos eram dono dele, na verdade – ficava no Mucuripe e o bode ia e voltava sozinho da casa para o Centro (vide distância no mapa). Talvez pelo vicio da bebida. Seu ápice foi quando pegaram seu nome e registraram como candidato a vereador de Fortaleza. E ganhou. Só não pôde assumir porque não sabia ler e escrever – besteira.
Próxima semana continuo outras histórias de Fortaleza, como a origem do termo “Queima quengaral”, “baitola” e a famosa Vaia ao Sol. Sobre o motivo de ser chamada Terra da Luz e a curiosidade no nascer e no pôr do sol.


CA Ribeiro Neto
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* Cheguei à marca de 15 livros lidos no ano. Para quem tinha a média de 9 por ano, acho que melhorei.
* 2010 ainda não acabou e devo aumentar esse número.
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ESCUTANDO NO MOMENTO: Espelho - Diogo Nogueira.

LENDO NO MOMENTO: Contos de Fadas - Ed. Jorge Zahar - Pg. 165 // Dom Casmurro e os Discos Voadores - Machado de Assis e Lucio Manfredi - Cap. 2

Boa Sorte

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O alívio de toda a cidade-amante

Hermes me pediu um texto sobre as nuvens que tanto amenizam nosso calor cearense, e daí está o resultado do desafio.



O alívio de toda a cidade-amante



Andar sempre foi meu hábito. Troco uma viagem curta de ônibus por uma caminhada longa facilmente. Afinal, é andando que mais penso na minha vida, como mais descubro as soluções dos meus problemas, como conheço mais e mais essa minha cidade-amante, como crio inspiração para meus textos, como arranjo tempo para uma ou outra ligação pendente.
Deixo bem claro que faço isso por prazer! Se eu for fazer caminhada como prática física, considero logo uma obrigação e então perco totalmente a vontade. Tem que ser totalmente voluntário, sem um objetivo escondido.
Mas os não-andarilhos questionam o sol cearense como empecilho fundamental para tal atividade, julgando-o que o custo-benefício não valesse tanto a pena. Realmente, a temperatura daqui está cada vez mais massante e não lhes tiro a razão.
A questão é que andar pela cidade é uma arte. Você tem que fazer a leitura do território. Perceber para onde a sombra está caindo; o quão arborizado é a rua; e, principalmente, como estão as nuvens sobre nós.
Se a cidade-amante é marítima e quente, o mar-amante à sua frente há de evaporar gotinhas. Não é nada suficiente para fazer chover diariamente, nem mensalmente, mas é o que precisamos para se ter nuvem, na maioria das vezes. Quando um floco branco desses chega sobre nós, é um alivio tão grande, que até ateu agradece a Deus por enviar tamanha graça! Já tive a ideia tola de ficar andando ao mesmo ritmo da nuvem para não perder sua sombra. Não deu muito certo porque era um dia de muito vento e ela correu de mim... mas posso dizer que tentei.
Engraçado ver alguns textos falando de como é bonito o céu azul, sem nada de nuvens. Já eu considero que céu bonito é céu com nuvem, malhado. Até para dar uma descontinuada. Sem falar que nuvem é sempre esperança de chuva; e chuva é alivio, é graça, é um choro de alegria de toda a cidade-amante.


CA Ribeiro Neto
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* Tudo bem comigo, e com você?
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ESCUTANDO NO MOMENTO: Consolação - Vinicius de Morais, Toquinho e Clara Nunes

LENDO NO MOMENTO: Entradas e Bandeiras - Fernando Gabeira - Pg. 156 // Ladrão de Cadáveres - Patricia Mello - Cap. 29.

Boa Sorte.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Análise brega-lírica-sintátiva da música "Essa cidade é uma selva sem você" de Bartô Galeno

O Hermes me lançou o primeiro desafio: falar sobre as nuvens que tanto amenizam nosso calor fortalezense. Mas ele também disse que eu deveria postar a minha análise da música 'Essa cidade é uma selva sem você' do Bartô Galeno, então, primeiro postarei esta e na próxima semana eu posto sobre as nuvens!

* Para quem quiser ler a letra da música ou escutá-la é só clicar aqui!


ANÁLISE BREGA-LÍRICA-SINTÁTICA DA MÚSICA “ESSA CIDADE É UMA SELVA SEM VOCÊ” DE BARTÔ GALENO

Carlos Augusto Ribeiro Neto

Introdução

Bartô Galeno é um dos maiores cantores do estilo brega brasileiro. Nascido na Paraíba, lançou seu primeiro disco, “No toca-fitas do meu carro”, na década de 70, onde a música que tem o mesmo título que levou o álbum virou um sucesso nacional e é até hoje sua música mais conhecida. Durante as décadas de 70 e 80, junto com outros cantores bregas – como por exemplo Reginaldo Rossi, Agnaldo Timóteo, Waldick Soriano, Amado Baptista, Odair José, Raimundo Soldado etc. – Bartô fez muito sucesso com suas músicas. A biografia do cantor não é muito vasta na internet.
A música brega é, de certa forma, influenciada pela Era da Rádio e pela Jovem Guarda; de origem bem popular, marcante por seus cantores e compositores serem de origem bem humilde e, pela falta recurso, a qualidade instrumental, em determinados casos, deixa um pouco a desejar, mas que se compensou, quase sempre, pelas letras.
As composições bregas são sempre muito carregadas de sentimentos fortes como amor, ciúme, tristeza; traz recorrentemente a temática da traição e do abandono; tornando-se, assim, grande sucesso em bares e botequins, fazendo a alegria ou a tristeza de frequentadores destes locais, com suas mágoas sentimentais.


Análise brega

A música escolhida “Essa cidade é uma selva sem você” é um grande exemplo de música brega, apesar de ser uma das poucas a não falar em traição ou alcoolismo. Essa, assim como a maioria das músicas bregas, ganharam seu referido destaque justamente por seu caráter popular e de fácil identificação com seu público, que muitas vezes vê nestas letras a sua própria história narrada. O valor sentimental dessa música, então, é grande justamente por ser bem genérica a vários casos encontrados no ambiente em que é mais tocada: os bares.
Refiro-me ao termo genérico porque nem sempre os ouvintes são traídos, ou estão sendo acometidos de ciúmes ou se envolvendo com prostitutas – temas recorrentes nesse estilo –, o fato narrado fala apenas em paixão e saudade, sentimentos mais comuns a todos.
Para dar o teor dramático à música e realmente encaixá-la como música brega, os detalhes em seus versos fazem toda a diferença. Mencionando que sem a sua amada o eu-lírico viveria sem felicidade, iria enlouquecer e que poderia até morrer, o autor traz uma densidade de desespero dificilmente encontrado em diferentes estilos musicais.
Outros pontos pouco comuns em estilos distantes do brega é a entrega que o eu-lírico demonstra, quando diz que estando apaixonado, se entrega a esse amor destemidamente; e quando ele se condena a ser escravo dessa solidão. Posicionamentos um tanto distantes da cultura machista de força, mas que parece ganhar coro em seus ouvintes, o que pode ser interpretado por uma queda de máscara.


Análise lírica-sintática

A música de Bartô Galeno não foi meramente escolhida para esta análise somente por suas características bregas, mas por haver nela um grande valor lírico e gramatical. Ela foi muito bem escrita, apesar de não estar perfeita. Mas percebe-se em seus estrofes um composição madura, com frases bem construídas e variação de diferentes tipos de orações, algo pouco comum entre as canções mais populares.
A poesia tem estrofes definidas, dois sextetos, um quarteto e um quinteto, que é também o refrão, que se repete e muda o último verso no bis. Os sextetos, em sua formação clássica (AABCCB) – apesar do primeiro não construir a rima correta no quarto e quinto verso –, o quinteto, também (AABBA) e o quarteto, o mais misterioso nessa análise, com um padrão de rima pouco visto (AAXX).
Na primeira estrofe, há a contextualização de hora, de local e de causa de toda a poesia, ou seja, a dor sentida no presente momento, o contexto urbano – que na angústia da situação se torna selva –, e a própria solidão do eu-lírico, ao estar distante da receptora, respectivamente. Este primeiro verso compõe-se de advérbios de tempo, lugar e modo, constatando tais características, o que vai se comprovando na continuação do estrofe.
Na mesma estrofe também é notável uma certa pobreza na rima, quando o terceiro deveria rimar com o sexto verso e, no entanto, o pronome “você” é utilizado no final dos dois.
A segunda estrofe, que é, para mim, a mais bem construída de toda a música, tem uma grande variação de orações, que enriquece substancialmente a poesia. O primeiro verso, aparentemente, fui utilizada somente para compor a estrofe, contudo, nela há um grande valor rítmico, na qual, sem ela, a estrofe perderia muito em musicalidade. A partir da segunda, há um enrolo de orações onde, note-se:

a)o 2º verso é oração principal do 3º, que caracteriza restritivamente o defeito do amor mencionado no verso anterior;

b) o 4º, 5º e 6º verso são a exposição desse defeito, por isso o uso do “:”. O mais curioso é que o 4º verso é uma oração concessiva de duas orações principais, que são o 5º e o 6º versos, pois estes são, entre si, de mesmo valor lírico. Se tirássemos um ou outro da estrofe, manter-se-ia a semântica, mas não o sentido lírico e porque não, digamos, o sentido brega!
A mensagem transmitida nestes versos também merece atenção. Afinal, neles o autor faz uma conjeturarão, como se através de axiomas, formulasse uma teoria. Em outras palavras, interpreta-se que a experiência dolorosa do eu-lírico fê-lo entender o motivo do sofrimento; diagnosticando um defeito do amor, que seria essa entrega à paixão, já comentada na análise brega.
A terceira estrofe, repito, é a mais misteriosa da poesia toda. Para começar, sua estrutura em um isolado (AAXX). Segundo, ao final do solo instrumental, ao invés do cantor retomar o refrão – técnica muito utilizada por vários músicos –, Galeno retoma este verso, como se quisesse evidenciá-lo. O que faz este segundo ponto misterioso é justamente não se entender o porquê de evidenciar uma estrofe sem grandes versos, comparado aos demais.
Tanto lírico como sintaticamente, esta estrofe não contribui significativamente ao contexto, cabendo apenas ao estilo brega a justificativa de sua utilização e evidenciação. Aliás, é justamente aí que o contexto brega mais se acentua, quando o eu-lírico percebe-se escravo da solidão; contudo, considero o refrão mais dramático, o que inviabiliza considerar a repetição como mostra da intensidade brega.
O refrão, o trecho mais conhecido da música, tem todo esse destaque devido aos seus versos cheio de significados. A cidade torna-se uma selva, pois a solidão o amedronta e o diminui, deixando-o inofensivo. Apesar da comparação dual utilizada, o verso seguinte que, para mim, é a mais bonita da poesia toda:
Pago tão caro o valor dessa saudade”
Sintaticamente este verso nada influencia na estrofe, mas o peso lírico e brega é imenso. Afinal, é nessa frase que o autor resume todo o seu sofrimento: ele paga tão caro – com inofensividade, tristeza, loucura e quem sabe até a morte, – o valor dessa saudade – que carrega de sua amada. Os versos que o sucedem, servem, então, para ratificar que tipo de pagamento é esse.

A poesia tem seus defeitos, que não são críticos e que não diminuem a música mas também, aliás, servem de enredo para a linguagem popular, muito próxima da utilizada pelo autor. Daí então, “Essa cidade é uma selva sem você” é um grande exemplo de música brega, de música bem escrita e de música que atingi seu público-alvo.
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* Cansado, mas feliz!
* Meu twitter: @caribeironeto

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ESCUTANDO NO MOMENTO: As Atrizes - Chico Buarque

LENDO NO MOMENTO: Alguma Poesia - Drummond - pg. 366 // Ladrão de Cadáveres - Patricia Mello - cap. 24.

Boa Sorte.