A dança da alegria

A dança da alegria - CA Ribeiro Neto

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Abrangências do azar

'Abrangências do azar' é uma crônica, um pouco confusa, como seu eu-lírico aparenta ser também. Ele coloca um olhar positivista para algo que não tem a menor fundamentação científica, criando uma confusão que, pra mim, sacia os dois lados. Sexto texto da série 'Sociedade', aconselho a lerem com calma para entenderem bem cada parte. Os dois últimos textos desta série são os meus atuais xodós, aguardem!


Abrangências do azar



Eu bem que tento, as vezes, acreditar em superstição, mas minha cabeça funciona bem mais compulsivamente do que simplesmente acreditar numa frase pronta.

Passar embaixo de escadas dá azar. Tudo bem, supondo essa afirmação como sendo verdadeira, incontrolavelmente rendo-me às minhas indagações. Escada rolante conta? Como seu funcionamento é diferente, quem sabe o azar não se vincule a tal equipamento?

Outra coisa, e se o azar considerar como último degrau os andares acima do térreo? Pelo que eu sei não há convenção definindo os limites do azar.

E se os andares de uma casa, apartamento, prédio etc. forem mesmo degraus de suas respectivas escadas, quanto mais ficarmos embaixo delas, mais azar teremos? Ainda aceitando essas ponderações como verdades, em qual progressão – aritmética, geométrica ou até uma outra que desconhecemos – aumentaria esse azar, conforme a permanência embaixo dos pisos?

E ainda mais, também considerando os andares como continuação das escadas, quanto mais pisos tiver no prédio, mais azar teremos? Ou, em base da teoria da prolongação dos degraus, as escadas estariam correlacionadas, formando, então, apenas uma escada e, portanto, apenas uma unidade de medida do azar? Melhor mudar de superstição.

Se um gato preto passar transversalmente à sua frente, terás azar. Pois bem, qual é a distância de tolerância? 100, 500 metros? Um quilometro, mais? Mais uma vez não há uma delimitação da área de atuação da má sorte.

Ainda sobre gatos pretos, se ele estiver parado e nós andando? Há também um cruzamento transversal. Estaremos, então, também atingidos pelo azar? Alguém já pensou na hipótese de passarmos azar para os pobres gatos? Ou gatos não sofrem com azar?

Aliás, antes de tudo isso, azar é acumulativo? Se um gato cruzar à nossa frente, passarmos embaixo de uma escada, quebrarmos espelhos e outras superstições geradoras de azar, não necessariamente nessa ordem, e seqüencialmente, teremos 28, 35 anos de azar?

Olhando mais para a realidade em que vivemos, percebemos que o número de gatos nas ruas de nossas cidades diminuiu e a verticalização dos prédios, e por conseguinte, as escadas, aumentou. Essa correlação manteve a quantidade de azar nos centros urbanos no mesmo nível de antes? Ou seria essa visão macro-social a razão dos problemas de nossa sociedade?

Pensando melhor, prefiro ser cético.


CA Ribeiro Neto
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* Férias acabando...
* Começou o Cine Ceará, apareçam, pois é muito bom!
* Grupo Literário APPLE numa maré boa, é melhor acompanhar!
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ESCUTANDO NO MOMENTO: Lua Cheia - Chico Buarque
*** Mais do que nunca, BOA SORTE ***

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Pra dizer que te amo

Agora iniciando a segunda fase da série 'Sociedade', 'Pra dizer que te amo' é um texto pequeno, onde o fato principal ocorreu mesmo e, aliás, vive acontecendo, mas o que falei sobre o narrador-personagem é tudo invenção.

Pra dizer que te amo



Saio do trabalho às 16 horas. Vou para a praça de alimentação de um shopping próximo esperar minha namorada que só chegará às 17 horas, se ela cumprisse os horários prometidos.

Vou direto para uma das mesas, pois só comerei em companhia de meu amor. Sento-me, pego o celular e fico brincando com um jogo qualquer.

Então que sentam ao meu lado três pessoas: uma senhora na faixa dos quarenta anos, provavelmente a mãe, e dois jovens entre quinze e dezoito anos, aparentemente irmãos. Sentam-se, também não pedem nada e começam a folhear uma revista pequena que falava sobre os Estados Unidos.

Eu não sou de escutar as conversas dos outros, mas a deles especialmente chamou-me a atenção. Desde que eles chegaram, os jovens (supostos por mim como irmãos) praticamente desconsideravam a presença da mulher. Já ela, no entanto, tentava entrar na conversa, em vão, de qualquer jeito.

Os comentários ou perguntas dela não ganhavam respostas ou ganhavam de forma monossilábica e até ríspida. Como pode filhos tratarem sua mãe, ou simplesmente, um ser humano assim? O que terá feito essa mãe para merecer tal carinho? Que tipo de educação eles e/ou mesmo ela recebeu?

Saio do jogo do celular e faço uma ligação:

  • Alô, Mãe? Só liguei pra dizer que te amo!

CA Ribeiro Neto
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* Hoje, mais uma vez, show do Baque Lírico, agora no Acervo Imaginário!
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ESCUTANDO NO MOMENTO: No morro do pau da bandeira - Seu Jorge
Boa Sorte

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Sem falar em remédios

Quarto texto da série 'Sociedade', 'Sem falar em remédios' me rendeu o terceiro lugar na categoria crônicas do FEPLAC, um festival literário do CEFET. O final pode ser de mal gosto, sei lá, mas foi assim que eu imaginei a história e não irei mudar.

Sem falar em remédios



- Que casal mais bonitinho!

Era o que todos falavam quando os viam caminhando pela praça. Faziam uma caminhada matinal, todos os dias, até aos domingos, por recomendação do médico dele.

Primeiro a dama, Dona Ruth era um amor de pessoa, ou melhor dizendo, o amor em pessoa, sempre com aquele sorriso meigo, típico de senhoras bondosas.

Agora vem o cavalheiro, porém, muito do malandro, Seu Alberto tinha que tocar seu bandolim todo dia, e se encontrar com a roda de chorinho uma vez por semana, só que agora, sem cerveja, por causa da saúde.

Os dois estavam com 68 anos, mas ainda moravam sozinhos, no Bairro de Fátima, em Fortaleza. Não por abandono, convites não faltaram, é por gosto mesmo, parecia até que o objetivo deles era continuarem independentes até onde puderem.

Sozinho foi modo de falar, já que visitas eram constantes. Filhos, netos, amigos, vizinhos, não cansavam de conversar com esse casal, talvez porque eram os únicos idosos que não falavam de remédios todo tempo.

A longevidade deles dois talvez seja explicada pela quebra de rotina, não ficavam fazendo sempre as mesmas coisas, nos mesmos horários, construindo mesmos dias. Viagens, passeios, até pagamento de contas e arrumação da casa era sempre diferente.

Certo dia, Seu Alberto foi se encontrar com a roda de chorinho num boteco ali perto, por volta das cinco horas da tarde. Dona Ruth ficou em casa, na companhia de uma neta de dezesseis anos, as duas conversando, assistindo TV e fazendo tricô.

Aconteceu que um dos problemas antigos do mundo, e que se acentuou atualmente, entrou em ação. Um ladrão que já tinha estudado a casa anteriormente, resolveu roubá-la naquele momento.

Invadiu, foi entrando gatunamente pela casa, quando chegou na sala, anunciou o assalto. Apontando a arma para Dona Ruth, ordenou que a mocinha enchesse um saco com dinheiro, jóias e aparelhos eletrônicos de pequeno porte.

Dona Ruth, rezando muito, começou a balbuciar o nome do marido, como se quisesse mandar um recado pela linha que os uni.

Seu Alberto volta para casa, com um mal pressentimento, vai entrando vagarosamente, vê o ladrão de costas e lhe acerta o bandolim na cabeça.

Com o susto, o ladrão dispara em Ruth.

Alberto corre para socorrê-la. O ladrão se recompõe da pancada.

Ele se prepara e também atira em Alberto.

Nosso querido senhor cai por cima de sua esposa e morre no colo dela. Com os disparos, a neta volta para a sala com um celular em mãos. O ladrão pega a sacola e sai correndo.

A polícia já estava acionada e pegou o meliante. A vizinhança e familiares ao redor, esperando a polícia aparecer, já com o indivíduo preso. Ninguém podia tocar nos corpos, e lá eles ficaram:Ruth sentada no sofá e Alberto caído em seu colo.

Entre críticas à sociedade violenta e consolos aos que mais choravam, alguém mencionou:

- Isso pode até ser pecado, me perdoem mas, até depois de mortos, eles são bonitinhos!


CA Ribeiro Neto
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* Hoje, mais um show do Baque Lírico, 23h, no Fafi! Quem não foi semana passada, vá nesse!
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ESCUTANDO NO MOMENTO: Samba della rosa - Vinicíus de Morais
Boa Sorte

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Por falta de gentileza

'Por falta de gentileza' é fruto de um sonho que tive. Sonhei tal e qual está escrito aqui. Nessa noite, não consegui dormir mais, pensando nessa história que não sei como veio parar em minha mente. É uma história triste, até acho meio difícil de acontecer, mas nunca impossível.


Por falta de gentileza


J. A., 42, chamemo-o de João, mendigo há pouco tempo, depois que foi perdendo tudo aos poucos. Andava, faminto pelas ruas noturnas de uma grande cidade qualquer.

Caía uma chuva fina, mas ele não se importava, para ele, era um pouco de limpeza, na verdade, isso só formaria uma lama, pois estava muito sujo, sem falar da roupa que depois iria feder mais, e ainda poderia pegar um resfriado. Chegou num viaduto, encontrou uma senhora, também mendiga, com seus quatro filhos, logicamente também mendigos. Ela, preparando um feijão numa panela preta de tão velha, os meninos, tentando dormir para enganar a fome.

João se aproxima e pede um pouco do feijão que ela cozinhava. Então que ela responde.

Meu sinhô, eu inté gostaria d'ajudar, mas dessa vez num posso, não. Né por falta de comida ou de gentileza, não, pois o que tem aqui dá pra nós e pro sinhô. Mas o pobrema é que eu botei veneno no comê. A uns vinte dia atrás fomo expulsos da favela eu, os minino e o disgramado do pai deles. Desde então moramo nesse viaduto. Aí o filho da puta do Manel num guentou a humilhação e semana passada ele num se empindurou nesse viaduto? Poisé, enlaçou uma corda no pescoço, com a outra ponta no poste e pulou, meu sinhô. Na frente dos minino! Tu imagina, meu sinhô! Deixá mulé e minino pra criá e se matar na frente de todo mundo! Daí nós tamo pedindo esmola pra comê, mas num tou guentando mais não. Isso é vida de cão, meu sinhô! Vou me embora também, e vou carregar meus bacurim junto. Cê me entende, né, sinhô?”

João a olhou, olhou para os garotos enfileirados, depois olhou para os poucos carros que passavam ali, desceu uma lágrima de seu rosto e pensou: “o que é que estou fazendo aqui mesmo?” e depois disse.

Dona, se a senhora num se importa, acho que vou pegar carona também. Dá mesmo pra dividir pra mais um?”

CA Ribeiro Neto
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* Hoje show do Baque Lírico, no Fafi, às 22:30! Será só o pitel!
* Fora isso, nada demais!
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ESCUTANDO NO MOMENTO: Nasci para chorar - Roberto Carlos
Boa Sorte

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Meio cinza, meio bege

No segundo texto da série 'Sociedade', um texto social, que as vezes pode parecer sarcástico, mas não o é. 'Meio cinza, meio bege' é um de meus textos preferidos do livro que estou concluindo intitulado 'Meio humano, meio urbano', acho que pela comparação dos títulos percebe-se a importância dessa crônica para o livro todo. Para quem reclama da falta de descrição em meus textos, será mais contemplado nesse!

Meio cinza, meio bege



Dona Alma chega em casa com a notícia. As destinatárias, suas filhas Beth, de oito anos e Alcione, de cinco. Duas meninas com a cara da mãe, não dá nem para negar que são filhas biológicas. As três tem a pele de cor esquisita. Elas são pardas, mas não é só isso que conta, pois, o sol cora e a desnutrição empalidece. Se esses dois fatores se anulassem, então elas continuavam pardas, mas não é bem assim, então elas ficam com uma cor esquisita, meio cinza, meio bege. É difícil explicar.

Todas as três são magras, mas a Dona Alma tem uma certa elevação na barriga devido a cervejas. Alcione sonha ser atriz. Beth sonha ser cantora. A mãe sonha com o casamento das filhas. Mas, na verdade, os sonhos das três são o mesmo. Elas querem sobreviver. Querem sair da situação de miséria que se encontram.

Os sonhos das meninas de serem famosas são difíceis. A pele delas atrapalha. Não importa se Alcione não sabe fingir. Nem mentir. Não importa se Beth não sabe cantar. Gasguita como ela só. Isso realmente não importa. A pele delas é que lasca. Negro está na moda, então os excluídos agora são os pardos, ainda mais quando se é meio cinza, meio bege.

Onde moram também não está em melhores condições. A parede é bege, do barro e o telhado é cinza, do amianto. A enfermeira e o líder comunitário já disseram para trocar esse último, mas para colocar o quê no lugar? Com telha mesmo é que não dá. Vai deixar de comprar comida pra comprar telha? Se ao menos tivesse o dinheiro pra comida.

Falando em teto, o cabelo das três são tratados de forma igual. O mesmo sabão e o mesmo condicionador. Melhor comprar o condicionador do que o xampu, porque aquele facilita na hora de pentear. Ah, o cabelo também não ajuda nos sonhos. Muito menos os joelhos, sempre encardidos, de partes escuras, meio acizentas, e claras, begeadas. São essas ladeiras que as fazem tombar sempre. Principalmente quando chove.

A chuva atrapalha a vida delas. Deve ser por isso que a enfermeira e o líder comunitário querem que troquem o telhado, pois sempre que chove, faz um barulho danado, sem falar que tem uns furinhos. Pior ainda se uma delas adoece, é fila que não acaba mais. É melhor levar na rezadeira, dá soro caseiro e depois deixar a enferma de repouso. Ao menos água, sal e açúcar não falta em casa.

O pai das crianças só vai pra casa pra dormir. E é dormir mesmo. Chega tarde, bêbado, e sai cedo, de mau humor. Não fala com as meninas, e muito pouco com a Dona Alma, dá um tapa na bunda dela e sai. O tapa na bunda substitui o “tchau”. Atualmente ele se considera negro, devido a comparação de pele com novos negros mundialmente conhecidos. Mas antes disso, ele era pardo, meio cinza, meio bege também.

Mas sim, o recado: morri. O remetente, o pai. Dona Alma não sabia como falar. Não ia fazer diferença, elas não tinham contato real com o pai, mas o carinho televisivo sempre existe. Algum choro há de cair. Ela contou, Alcione chorou.


CA Ribeiro Neto
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* Espero que entendam esse final, estou frustrado com o pessoal não entendendo o final dos meus textos... hehehehe
* Nada demais.
* www.aondeeuestavamesmo.blogspot.com
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ESCUTANDO NO MOMENTO: Sina de Caboclo - Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale

Boa Sorte