A dança da alegria

A dança da alegria - CA Ribeiro Neto

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O ciúme, por mim e por Chicão Buarque

O Chico Buarque, como compositor, é considerado por muitos, e por mim também, como o maior que o Brasil já teve. Mas na literatura ele não é tão unanimidade assim. Gosto de lê-lo, porque ele me dá uma sensação que só senti nos livros dele. Uma sensação de não saber ao certo se estou gostando ou não, durante a leitura. Mas quando se completa o livro, você, enfim, percebe que o livro é bom. Segue agora um trecho do livro Leite Derramado, dele, que eu achei sensacional!


Leite Derramado. Chico Buarque. Capítulo 11. Página 61.

"[...] Com o tempo aprendi que o ciúme é um sentimento para proclamar de peito aberto, no instante mesmo de sua origem. Porque ao nascer, ele é realmente um sentimento cortês, deve ser logo oferecido à mulher como uma rosa. Senão, no instante seguinte ele se fecha em repolho, e dentro dele todo o mal fermenta. O ciúme é então a espécie mais introvertida das invejas, e mordendo-se todo, põe nos outros a culpa de sua feiura. Sabendo-se desprezível, apresenta-se com nomes supostos [...]"


Agora segue o conto que eu fiz, inspirado nesse trecho:


O aperitivo e o prato principal no pagode do Bentinho



O pagode na casa do Bentinho já estava marcado. Sendo ele do Rio, outro tema não podia haver e a festa seria monumental. Mas na faculdade falavam mais sobre outra coisa: Com quem Fabiano iria passar a festa em chamego. Ele queixava Ana Terra e Iracema ao mesmo tempo, de forma que ninguém tinha absoluta certeza do sim e do não entre os três. Mas no pagode ele tinha que escolher uma ou a guerra seria anunciada.
As duas moças em questão tinham a mesma certeza de que o que falavam sobre a rival era fofoca, intriga para se ver confusão; que Fabiano só tinha olhos para elas. Já ele não revelava o seu segredo nem para os amigos mais próximos, deixando tudo para o dia da festa.
Estrategicamente, o garanhão deixou para chegar na festa bem depois, já com as duas pretendentes por lá. Primeiramente, lógico, ele foi falar com a rapaziada, tomar uma cerveja e ver direito o som da roda de samba. Confirmou que não tinha negócio de banjo entre os instrumentistas e que tocavam Leci Brandão, daí sim, soube realmente que a festa seria boa.
Num primeiro contato, ele falou rapidamente e em tempos iguais com as duas, que não estavam perto uma da outra. Ele, muito bem quisto, conversou com todos os agrupamentos de amigos. Parecia mesmo que ele estava medindo todos os seus passos, para não revelar um interesse maior por uma do que pela outra precipitadamente. Acabou que, com isso, ele sozinho disputou atenção com a banda, nesse momento cantando João Nogueira.
Com mais um tempo de cerveja para todos, a banda resolveu usar sua arma secreta, um pot-pourri de Martinho da Vila. Subitamente a festa entrou em outra aura. Todos vibravam, quem sabia dançar, dançava, quem não sabia ficava no ciscado no mesmo lugar e um casal lá improvisou uma encenação de mestre -sala e porta-bandeira.
Fabiano, então, aproveitando o momento que a cambada mudou a atenção para os dançarinos, se aproximou de Ana Terra e puxou-a para dançar. Logicamente Iracema viu logo, mas ficou no seu canto, vendo onde isso ia dar. Enquanto dançavam, eles tiveram essa conversa.

- Pensei que estava com medo de mim?
- Achou mesmo que eu ia aguentar passar a noite inteira só lhe olhando e não fazendo nada?
- Não seria uma possibilidade estranha. Passou boa parte da noite sem nem lembrar da minha presença...
- Essa festa não teria graça sem esse momento, só nosso, apesar de que aqui nós não teremos isso plenamente.
- É, aqui realmente, estamos próximos, mas não estamos a sós.
- Mas podemos resolver isso mais tarde!
- Vamos ver, vamos ver... não sou tão fácil assim.

Daí, teve mais conversas aleatórias e no final do selecionado de Martinho, ele pediu licença para ir ao banheiro, um instante. Sendo que na volta, ele não foi direto para perto dela, foi rodar entre os amigos mais uma vez. Falou algo no ouvido do tocador de cavaquinho e continuou lá meio próximo.
Iracema já tinha desistido de se animar, tinha sentado numa cadeira, fazendo bico, emburrado de vez. Então, o cara do cavaquinho puxou o pedido do Fabiano, a clássica Aquarela do Brasil. Todo mundo pirou de vez, é uma música que todo mundo se animaria e saberia pelo menos um trecho. Mas era dos versos sobre o Ceará de que ele precisava.
Ele se aproximou da bicuda sentada, estendeu a mão como um convite para a dança e deu um sorriso e uma piscadinha na mesma hora do trecho cearense. Sem precisar nenhum dos dois falar nada, ela se levantou e foi dançar com ele. Mas durante esse momento, ela começou a fala:

- Pensei que ia ficar dançando só com a Ana!
- Ali era só um aquecimento, um aperitivo para esse prato principal!
Nessa hora ela abriu a defesa, deu um sorriso safado e falou sussurrando, no ouvido dele:

- Pois então, pode comer!

Fabiano não iria responder com palavras, mas mesmo se quisesse, não teve tempo para isso. Ana Terra ficou fula de raiva com toda aquela encenação, a escolha de uma música, o jeito mais sensual que eles dançavam e ela não escutou o que ela lhe disse no ouvido, mas deduziu pelas faces deles que ela iria rodar nessa história. Mas não mediu as ações, chegou lá apartando os dois e dando uma mãozada na cara da Iracema, que também não se intimidou e voou para cima e começou a briga.
E, moças, desculpem, mas briga de mulher é muito massa! Não tem força masculina que consiga soltar um cacho de cabelo da mão da adversária! Foi zunhada e mordidas à torto e à direito. Ana Terra era mais forte e jogava Iracema para todos os lados. Mas esta tinha uma experiência em artes maciais e foi quem levou a luta para o chão, com uma rasteira surpreendente. Aí sim a peleja esquentou de vez. A roda humana que delimitava o ringue estava enlouquecida e ninguém, até agora, ousou apartar.
Fabiano, misteriosamente sumiu; dizem que se mandou com a Luzia, uma negra tanajura.
Depois de encerrada a briga, a roda de samba se recompôs, tocando Vai Passar, do Chico Buarque, na tentativa de ser, mais uma vez, o prato principal da festa.


CA Ribeiro Neto
-x-||-x-

ESCUTANDO NO MOMENTO: Isn't She Lovely - Ed Motta [2010 - Live in Citibank Hall
LENDO NO MOMENTO: Tocaia Grande - Jorge Amado - pg. 350 || A Normalista - Adolfo Caminha - pg. 60.



Boa Sorte || ApontArte

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Sempre a segundos atrás


Sempre a segundos atrás


O acaso zombou dos nossos destinos
Cruzaram-se horários e caminhos

Quem viu quem primeiro?
Se no instante que te vi
Tu já me via
E sorria.
Não imaginas em quem eu pensava
A alguns segundos atrás.

Primeira frase quando voltei a estar só:
Nunca fiquei tão feliz com um não-beijo.


CA Ribeiro Neto
-x-||-x-

ESCUTANDO NO MOMENTO: Inês [Apaga o fogo Mané] - Demônios da Garoa
LENDO NO MOMENTO: Tocaia Grande - Jorge Amado - pg. 269 || Leite Derramado - Chico Buarque - Concluído || A Normalista - Adolfo Caminha - pg. 24.



Boa Sorte || ApontArte

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Sempre Presente

Poesia antiga, que eu não sei porque ainda não a publiquei aqui!


Sempre Presente


Eu queria estar sempre presente
Nas suas horas de agonia,
No momento de calmaria,
Totalmente em sua vida.

Quero estar sempre presente
Nos seus sonhos e orações,
Quero estar em seus grilhões
De forma voluntariosa,
Pode ser impiedosa,
Mas quero está sempre presente.

Quero te dar toda a atenção
E em meu coração
Você está sempre presente.
Para acabar com a solidão,
Para repetir-me à exaustão
Vou estar sempre presente.


CA Ribeiro Neto
--x-||-x--


ESCUTANDO NO MOMENTO: Aboniza mas não morre - Nelson Sargento e Tereza Cristina [CD Cidade do Samba]
LENDO NO MOMENTO: Tocaia Grande - Jorge Amado - pg. 246 || Leite Derramado - Chico Buarque - pg. 76.

Boa Sorte || ApontArte

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Corrente de textos

Depois do recesso de férias, voltamos às postagens de todas as santas quintas! Hoje farei uma sequencia de textos, onde você só lê até onde você quiser, não precisa ler todos!

Começo com o único pensamento literário que tive nessas férias e que foi escrito, além deste último ensaio sobre a importância dos personagens:

"Pensar pode ser uma dádiva ou um fardo para o ser humano. Não sei se é vantagem humana poder imaginá-la ao meu lado, sem poder realizar tal desejo" - CA Ribeiro Neto, salvo como mensagem de texto no celular.

Daí esse simples pensamento meu, fez-me relembrar de uma grande crônica de Antonio Prata, que é a seguinte:


Os outros
Você não acha estranho que existam os outros? Eu também não achava, até anteontem, quando tive o que, por falta de nome melhor, chamei de SCA – Súbita Consciência da Alteridade.
 
Estava no carro, esperando o farol abrir e comecei a observar um pedestre, vindo pela calçada. Foi então que, do nada, senti o espasmo filosófico, a fisgada ontológica. Simplesmente entendi, naquele instante, que o pedestre era um outro: via o mundo por seus próprios olhos, sentia um gosto em sua boca, um peso sobre seus ombros, tinha antepassados, medo da morte e achava que as unhas dos pés dele eram absolutamente normais – estranhas eram as minhas e as suas, caro leitor, pois somos os outros da vida dele.

O farol abriu, o pedestre ficou para trás, mas eu não conseguia parar de pensar que ele agora estava no quarteirão de cima, aprisionado em seus pensamentos, embalado por sua pele, tão centro do Cosmos e da Criação quanto eu, você e sua tia avó.

Sei que o que estou dizendo é de uma obviedade tacanha, mas não são essas verdades as mais difíceis de enxergar? A morte, por exemplo. Você sabe, racionalmente, que um dia vai morrer. Mas, cá entre nós: você acredita mesmo que isso seja possível? Claro que não! Afinal, você é você! Se você acabar, acaba tudo e, convenhamos, isso não faz o menor sentido.

As formigas não são assim. Elas não sabem que existem. E, se alguma consciência elas têm, é de que não são o centro nem do próprio formigueiro. Vi um documentário, ontem de noite. Diante de um riacho, as saúvas africanas se metiam na água e formavam uma ponte, com seus próprios corpos, para que as outras passassem. Morriam afogadas, para que o formigueiro sobrevivesse.

Não, nenhuma compaixão cristã brotou em mim naquele momento, nenhuma solidariedade pela formiga desconhecida. (Deus me livre, ser saúva africana!). O que senti foi uma imensa curiosidade de saber o que o pedestre estaria fazendo, naquele momento. Estaria vendo o mesmo documentário? Dormindo? Desejando a mulher do próximo? Afinal, ele estava existindo, e continua existindo agora, assim como eu, você, o Bill Clinton, o Moraes Moreira.
 
São sete bilhões de narradores em primeira pessoa, soltos por aí, crentes que, se Deus existe, é conosco que virá puxar papo, qualquer dia desses. Sete bilhões de mundinhos. Sete bilhões de chulés. Sete bilhões de irritações, sistemas digestivos, músicas chicletentas que não desgrudam da cabeça e a esperança quase tangível de que, mês que vem, ga-nharemos na loteria. Até a rainha da Inglaterra, agorinha mesmo, tá lá, minhocando as coisas dela, em inglês, por debaixo da coroa. Não é estranhíssimo?
Então, esse texto acabou me lembrando outros dois textos meus, que também falam do olhar para a sociedade de uma forma repentinamente diferente:

Bem, parabéns e obrigado se você chegou até aqui!

CA Ribeiro Neto

xXx

ESCUTANDO NO MOMENTO: Nada.
LENDO NO MOMENTO: Tocaia Grande - Jorge Amado - pg. 176


Boa Sorte || ApontArte