A dança da alegria

A dança da alegria - CA Ribeiro Neto

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Seu Elias e a personificação da tristeza

Conto escrito inspirado na música "No Hospital", de Amado Batista. Olhe, adoro músicas tristes, mas essa talvez seja a mais triste que já escutei em toda a minha vida e merecia essa homenagem.



Seu Elias e a personificação da tristeza



Nunca vi um sorriso no rosto daquele homem. Eu, muito novo na região, não entendia o fato dele ser o mais isolado da vila que mais parecia uma família só. Todas as datas comemorativas eram festejadas na pracinha circular que havia ao centro e ele ou não participava, ou figurava coadjuvantemente.
Seu Elias era a personificação da tristeza e o que mais me espantava era que todos da vizinhança não se incomodavam com isso. Perguntando um pouco para cada um, descobri os retalhos da maior história da sua vida.
Ele e sua esposa formavam o casal mais bonito que poderia existir. Um amor perfeito, que ninguém poderia supor que um dia fosse se acabar. O único problema é que eles não conseguiam ter um filho. Sempre tentavam e não conseguiam, foram à rezadeiras, tentaram de várias maneiras e ajuda médica.
Com o acompanhamento médico, Dona Paula conseguiu engravidar e eles tiveram os melhores 7 meses da vida deles. Seu Elias não se cabia de tanta felicidade. Era alegria em capacidade máxima, que transbordava por sua boca, seu sorriso. Na época, ele tinha 29 anos e aquele filho era o que faltava para ele se sentir um adulto completo.
Era uma gravidez de risco e as complicações vieram. Correram ao hospital e ela foi levada pelos enfermeiros. O final da história, depois de muito pensar sobre como conseguir a melhor informação, tive coragem de perguntar diretamente a ele, que me contou que Dona Paula e seu filho não saíram com vida da sala.

- No hospital, na sala de cirurgia, pela vidraça eu via, você sofrendo a sorrir. E seu sorriso, aos poucos se desfazendo, então vi você morrendo, sem poder me despedir.

CA Ribeiro Neto

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Quem quiser escutar a música, veja o vídeo aqui.

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ESCUTANDO NO MOMENTO: Vamos Nelson - Gonzaguinha
LENDO NO MOMENTO: Solar - Ian McEwan - pg. 160// A condessa sangrenta - Alejandra Pizarnik - pg.25


Boa Sorte || ApontArte

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Cinco anos de Eufonia


Hoje, 19 de maio de 2011, comemora-se 5 anos da minha maior paixão. O Grupo Eufonia de Literatura. Antes chamado de GEP (Grupo de Escritores e Poetas), de Grupo Literário APPLE (Amantes da Prosa e Poesia, Lida e Escrita), o Eufonia já passou por profundas modificações ao longo de sua existência, que, acho, é o que marca fundamentalmente o nosso grupo: Nosso grupo é o que somos; se mudam as pessoas, muda o Eufonia.
Eufonia é o primeiro termo do nome científico do pássaro Vem-vem – há nome mais acolhedor que este? – e, como pássaros, não queremos gaiolas: Nossos encontros se chama “Arribações” e o local que nos encontramos se chama “Ninho” – pois queremos nos aconchegar.
Tenho profundo prazer em ser nomeado “Segundo-Ministro do Grupo Eufonia de Literatura”, liderando nosso grupo desde que eu e Pedro Gurgel o fundamos. Agora meu parceiro na organização é o “Vice-Rei” Hermes Veras, que ajuda bem mais do que imagina. Vou para de citar nomes por aqui, porque o número de pessoas que já passaram por nós é enorme.
Digo que o Eufonia é minha vida, pois nesses cinco anos muito já fiz para mantê-lo. Encontros de três horas, duas vezes por semana; aos sábado pela manhã; aos domingos à tarde. Já percorri muitos cantos da cidade, atrás de um local perfeito para residirmos. Já organizei encontros com mais de 20 pessoas; já organizei encontros para duas pessoas e já teve uma única vez que só eu apareci.
Contudo, pensar em desistir nunca foi hipótese. Não é possível minha vida sem um Grupo Eufonia de Literatura. Posso morar em outro lugar, posso virar milionário, posso ir para a cadeia. Em qualquer circunstância possível, em algum momento da semana, haverá uma arribação em algum ninho por aí.
Atualmente, nos encontramos na Biblioteca Pública Municipal Dolor Barreira, na Av. Da Universidade, em frente a Casa Amarela da UFC; toda terça-feira; às 19 horas e 10 minutos. Lá, podemos exercer nossas diretrizes:
      1. Teoricamente, um grupo de discussão e pesquisa literária;
      2. Na prática, uma reunião de amigos (ou para se fazer amigos), onde conversamos sobre literatura e adjacentes;
      3. E essencialmente, um local para ouvir e ser ouvido.

Finalizo com um de nossos lemas, que eu considero como a principal base do que construímos: A fuga do tema é fundamental.


CA Ribeiro Neto
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ESCUTANDO NO MOMENTO: Álbum Gonzaguinha da Vida - Gonzaguinha
LENDO NO MOMENTO: Solar - Ian McEwan - pg. 88// A condessa sangrenta - Alejandra Pizarnik - pg.25


Boa Sorte || ApontArte

Metendo ou levando peia

Mais um texto com histórias do meu Ceará! Se você tem algo para me corrigir, não pense duas vezes, faça!



Metendo ou levando peia



Cearense é bicho inquieto mesmo. Sempre diminuído pelos outros, mas sempre marcou a história com a valentia e a habilidade de fazer algo diferente. Tratarei nesta crônica das batalhas cearenses e de como os desfechos foram sempre tristes, mas inusitados.
Canudos, a história contada por Euclides da Cunha, em Os Sertões; e por Vargas Llosa, em Guerra do Fim do Mundo, é bem conhecida e todo mundo sabe seu desfecho. O exército brasileiro chegou matando todo mundo, incluindo velhos, mulheres e crianças, sob a justificativa de eliminar uma sociedade comunista.
Tudo começou com um cearense, de Quixeramobim, Antonio Conselheiro, que saiu peregrinando pelo sertão e foi seguido até o interior da Bahia. Lá eles pararam, montaram suas barracas, produziam o que podiam em conjunto e o que não podiam, compravam, também em conjunto. Foi o suficiente para serem acusados de comunas. Os agricultores tiveram que se armar com o que podiam e resistiram bem, até que chamaram o capitão não sei das quantas, veterano da Guerra do Paraguai, para acabar com a “baderna”. Foi sangue, negada.
Confederação do Equador, alguns estados nordestinos se reuniram e queriam se desligar do Brasil. Entre os líderes, Frei Caneca. Essa força revolucionária, se eu não me engano, chegaram a tomar posse do Ceará e do Rio Grande do Norte, mas depois não resistiram ao fogo do exército brasileiro e não obtiveram sucesso.
A pena para Frei Caneca: fuzilamento na praça do Passeio Público. O procedimento normal seria sete soldados atirarem no alvo ao mesmo tempo, cada um em um ponto vital para que a “culpa” não ficasse numa pessoa apenas. Mas o Frei tinha moral, e ninguém queria atirar nele, então cada um dos sete soldados tiveram a ideia de não atirar e deixar o “criminoso” morrer com 6 balas letais. Resultado foi que o patente-superior-de-porcaria deu vários gritos de fogo e ninguém atirava. Teve ele que pegar sua arma e atirar somente uma vez para matar o cabra bom cearense.
Engraçado é que estou falando de religiosos liderando movimentações que geraram muito sangue, mas nada se compara a Padre Cícero. O Padim, que estava doido para ir na política, escondeu o ex-governador em Juazeiro do Norte, que estava sendo procurado. A polícia veio atrás deste último e o Cição não deixou; incitou a população a pegar em armas, que não deixaram ninguém entrar na cidade, fizeram os policiais fazer carreira, que batiam os calcanhares em suas próprias bundas. O padre aproveitou a situação e, dizem os livros de história, rumou com a população para Fortaleza, para tomar o poder. Assim o fez e se tornou Vice-Governador. Pacífico, né? É, é santo...
Mas loucura mesmo foi o caso da fazenda Caldeirão. Com a fama do Padre Cícero correndo muito, várias pessoas do nordeste inteiro vinham para perto dele. Assim, o Cariri ficou repleto de moradores de rua. Um grupo foi pedir ajuda ao Padim e, como ele tinha uma fazenda desocupada, este disse que eles poderiam ir para lá e trabalhar na terra. Como ele tinha ganhado uma vaca de um fazendeiro, aproveitou e disse para eles cuidarem da sua vaquinha. Pra quê? Começaram a endeusar essa vaca. Ganhava tudo do bom e do melhor.
O exército brasileiro, mais uma vez, achou que isso era coisa de comunas e sentou o pau. Sendo que eles tinham um brinquedo novo e resolveram usar só para não enferrujar: aviões de guerra. É isso mesmo, eles bombardearam uma fazenda cheia de brasileiros que só queriam viver na fazenda do seu líder. Mas foi peia, teve até uma resistência, mas não dava para comparar as forças e os recursos.
Mas esse negócio de lutar vem desde bem antes, o Siará foi uma das últimas capitanias hereditárias a serem colonizadas porque os índios daqui eram muito valentes. Holandeses e franceses bem que tentaram dominar o local, mas os bugres fizeram eles pedirem pinico. Os portugueses só conseguiram se chegar devagarinho por causa de acordo realizado entre as duas partes. E só para não falar de religião, esse cessar fogo teve a mediação dos jesuítas Francisco Pinto e Pereira Filgueira.
Só para polemizar o final: catolicismo e batalhas, coincidentemente entrelaçados?


CA Ribeiro Neto
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ESCUTANDO NO MOMENTO: Gil Luminoso - Gilberto Gil
LENDO NO MOMENTO: Brincar com Armas - Pedro Salgueiro - Pg. 69 // A condessa sangrenta - Alejandra Pizarnik - pg.25


Boa Sorte || ApontArte

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Estrelas justapostas

Última poesia que escrevi, numa noite de vitória do vozão e bom papo com amigos.

Estrelas justapostas


Desculpem-me quem for conservador,
para quem for constrangedor,
por não ser defensor das juras de amor
ao céu do interior.

Se o seu céu é azulado,
mais estrelado,
não me desagrado ao admirá-lo.

Mas não diminuam meu céu urbano,
que é lindamente mais negro,
meio roxeando.
Nossas nuvens são véus,
que não deixam ao léu
nossos troféus:
A lua e as estrelas, que,
não se oponham, também são nossas
e que, combinadas
com as luzes justapostas,
tornam os postes,
as janelas dos apartamentos
em estrelas caídas -
loucas para realizarem desejos.

CA Ribeiro Neto

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 ESCUTANDO NO MOMENTO: Hoje - Dalva de Oliveira
LENDO NO MOMENTO: As Religiões no Rio - João do Rio - pg. 210 // A condessa sangrenta - Alejandra Pizarnik - pg. 13

Boa Sorte || ApontArte