A dança da alegria

A dança da alegria - CA Ribeiro Neto

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Corrente de textos

Depois do recesso de férias, voltamos às postagens de todas as santas quintas! Hoje farei uma sequencia de textos, onde você só lê até onde você quiser, não precisa ler todos!

Começo com o único pensamento literário que tive nessas férias e que foi escrito, além deste último ensaio sobre a importância dos personagens:

"Pensar pode ser uma dádiva ou um fardo para o ser humano. Não sei se é vantagem humana poder imaginá-la ao meu lado, sem poder realizar tal desejo" - CA Ribeiro Neto, salvo como mensagem de texto no celular.

Daí esse simples pensamento meu, fez-me relembrar de uma grande crônica de Antonio Prata, que é a seguinte:


Os outros
Você não acha estranho que existam os outros? Eu também não achava, até anteontem, quando tive o que, por falta de nome melhor, chamei de SCA – Súbita Consciência da Alteridade.
 
Estava no carro, esperando o farol abrir e comecei a observar um pedestre, vindo pela calçada. Foi então que, do nada, senti o espasmo filosófico, a fisgada ontológica. Simplesmente entendi, naquele instante, que o pedestre era um outro: via o mundo por seus próprios olhos, sentia um gosto em sua boca, um peso sobre seus ombros, tinha antepassados, medo da morte e achava que as unhas dos pés dele eram absolutamente normais – estranhas eram as minhas e as suas, caro leitor, pois somos os outros da vida dele.

O farol abriu, o pedestre ficou para trás, mas eu não conseguia parar de pensar que ele agora estava no quarteirão de cima, aprisionado em seus pensamentos, embalado por sua pele, tão centro do Cosmos e da Criação quanto eu, você e sua tia avó.

Sei que o que estou dizendo é de uma obviedade tacanha, mas não são essas verdades as mais difíceis de enxergar? A morte, por exemplo. Você sabe, racionalmente, que um dia vai morrer. Mas, cá entre nós: você acredita mesmo que isso seja possível? Claro que não! Afinal, você é você! Se você acabar, acaba tudo e, convenhamos, isso não faz o menor sentido.

As formigas não são assim. Elas não sabem que existem. E, se alguma consciência elas têm, é de que não são o centro nem do próprio formigueiro. Vi um documentário, ontem de noite. Diante de um riacho, as saúvas africanas se metiam na água e formavam uma ponte, com seus próprios corpos, para que as outras passassem. Morriam afogadas, para que o formigueiro sobrevivesse.

Não, nenhuma compaixão cristã brotou em mim naquele momento, nenhuma solidariedade pela formiga desconhecida. (Deus me livre, ser saúva africana!). O que senti foi uma imensa curiosidade de saber o que o pedestre estaria fazendo, naquele momento. Estaria vendo o mesmo documentário? Dormindo? Desejando a mulher do próximo? Afinal, ele estava existindo, e continua existindo agora, assim como eu, você, o Bill Clinton, o Moraes Moreira.
 
São sete bilhões de narradores em primeira pessoa, soltos por aí, crentes que, se Deus existe, é conosco que virá puxar papo, qualquer dia desses. Sete bilhões de mundinhos. Sete bilhões de chulés. Sete bilhões de irritações, sistemas digestivos, músicas chicletentas que não desgrudam da cabeça e a esperança quase tangível de que, mês que vem, ga-nharemos na loteria. Até a rainha da Inglaterra, agorinha mesmo, tá lá, minhocando as coisas dela, em inglês, por debaixo da coroa. Não é estranhíssimo?
Então, esse texto acabou me lembrando outros dois textos meus, que também falam do olhar para a sociedade de uma forma repentinamente diferente:

Bem, parabéns e obrigado se você chegou até aqui!

CA Ribeiro Neto

xXx

ESCUTANDO NO MOMENTO: Nada.
LENDO NO MOMENTO: Tocaia Grande - Jorge Amado - pg. 176


Boa Sorte || ApontArte

2 comentários:

Anônimo disse...

haha, eu li tudo. Esse teu primeiro pensamento e a crônica do Prata, em caroço, lembraram muito os meus textos. São as mesmas discussões. Gostei muito da crônica dele, tirando a parte que ele fala que viu um documentário, acho que bastava falar das formigas. E tuas outras crônicas, bem tu sabe que são boas e fazem sentido.

Musa disse...

Aff... Eu tenho tanta consciência do outro que chega a incomodar... Como disse Sartre: O inferno são os outros... rsrs

Um grande abraço,amigo querido...

Fau F.