A dança da alegria

A dança da alegria - CA Ribeiro Neto

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Fortaleza, minha querida – parte 2

Eis a segunda parte do texto sobre Fortaleza. Próxima semana Ação Blogs de Quinta - 7 filmes que marcaram a sua vida!


Fortaleza, minha querida – parte 2



Continuando os textos com curiosidades sobre a minha amada Fortaleza, falo agora do nosso nascer e pôr do sol. Sabe aquelas imagens hollywoodianas em que o sol aparece ou some no mar, com muito laranja e o reflexo nas águas? Pois é, na grande maioria das capitais mundiais só se ver essa beleza ou de manhãzinha ou à tardinha. Fortaleza é a única capital brasileira a ver o nascente e o poente no mar. Sem falar que o céu fica lindão, com azuis, violetas, vermelhos, laranjas e amarelos. Foi mal, Hollywood, a gente tem isso duas vezes ao dia!
Agora, muita gente pensa que o Ceará é conhecido como Terra da Luz por causa do sol – que de tão quente chega a ser inebriante –, mas, na verdade, são dois outros motivos. O primeiro, mais óbvio, é que aqui teve a primeira manifestação de abolição da escravatura, na cidade de Redenção, em 1884, e que depois se espalhou por todo o Estado, sendo a capital, Fortaleza, a segunda cidade a adotar a libertação dos escravos.
É verdade que aqui havia poucos escravos, justamente por não ter se desenvolvido tanto a cana-de-açúcar, então, não havia tanta necessidade em tê-los por aqui. E isso justifica o fato de vermos poucos negros em nossa sociedade – quando o vemos, descobrimos que veem de outros Estados. Mas é preciso deixar claro que essa iniciativa abolicionista partiu de frentes oligárquicas e teve também apoio dos jangadeiros.
Daí veio o Dragão do Mar, um pescador que já não queria mais dá uma de gondoleiro de Veneza – até porque esta fica na Itália e não na imitada França. Esse serviço era utilizado porque nosso porto sempre foi raso e os navios atolariam se chegassem mais perto. Um desses pescadores resolveu reivindicar contra isso lá na capital e rumou, de jangada, para o Rio de Janeiro, ficando conhecido por Dragão do Mar, devido à coragem.
Mas não foi esse o único motivo para o Ceará ganhar seu apelido luminoso, digo, carinhoso. Lembrem-se que Paris é conhecida como a Cidade Luz e nada melhor do que imitá-la também no termo mundialmente conhecido. No caso, utilizaram a desculpa da abolição para adotarem a mesma alcunha.
Já que chegamos nas gaiatices cearenses a níveis importados, vamos à origem do termo “baitola”. Quando foram construir a linha férrea de Fortaleza, inventaram de chamar um inglês meio afeminado para ser o engenheiro da obra. Este, muito preocupado com a bitola – distância padrão dos ferros do trilho –, não parava de gritar tal termo, mas com o jeito gringo de falar, tornando a fonia do “i”, num “ai”.
Imagine um inglês que suspeitavam de sua heterossexualidade gritando “Olha a Baitola! Olha a Baitola”, em meio aos peões, cearenses como cada um sabia ser? Dá para imaginar que isso caiu logo na picardia. O termo acabou virando sinônimo de homossexualismo e por muito tempo só entendia isso quem era cearense, até que nossos muitos humoristas levaram para o resto do Brasil.
Mas, falando em minorias oprimidas e termos cearenses, tem também o caso do “Queima Quengaral”. Havia no Centro da cidade uma galeria como essas que ainda encontramos – bem raros, é verdade – nas grandes capitais. Quem conhece galerias sabe que em cada andar tem a venda de um tipo de produto; e  no último andar desse prédio era o puteiro. Certo dia a galeria pegou fogo e todos correram o mais rápido que puderam para fora do lugar, menos as conhecidas “quengas”. Como elas ficavam no último andar, elas subiram até a cobertura para pedir socorro. Ao invés de ajudar, os moralistas de ocasião e gaiatos de sempre começaram a gritar “Queima Quengaral” e o termo acabou se tornando algo parecido com “jogar lenha na fogueira”.
Para se ter uma ideia de como cearense gosta de uma fuzarca, havia aqui em Fortaleza o Cajueiro da Mentira, onde os malamanhados se reuniam para ver quem contava a história mais cabeluda. Tinha até campeonato e data comemorativa! Como podem mais uma vez ver o espírito inovador cearense, eis o começo do Stand up mundial! O curioso é que alguns estudiosos discutiam se ele realmente existiu ou se era, digamos, invenção! Já pensou? O Cajueiro da Mentira ser uma também? Mas agora já tem foto e tudo dos eventos que lá existiam.
Mas evento maior que a vaia ao sol não existiu e nem existirá. Fazia três dias que chovia sem parar. Para quem não é daqui, isso é muito raro. Chover por três dias, o dia todo, eu nunca vi. Mas justamente por isso os cearenses estavam adorando. Pareciam pinto no lixo. No terceiro dia as nuvens começaram a se abrir e o sol surgiu entre elas. Então, os presentes na Praça do Ferreira, atingidos pela mesma comoção, pela mesma indignação, fizeram coro encorpado e uníssono. Meteram-lhe uma bela de uma vaia, que encabulou Hórus, Tupã e Luis XIV de uma vez. Até porque nossa vaia não é “uuuhhhhh” como no resto do mundo. Nossa vaia é um “iiiiiiiieeeeeeeeeeeeiiiiiii” que encabula mais porque ainda assusta quem a escuta pela primeira vez, ainda mais quando se é o alvo.
Fortaleza tem essas e muitas outras histórias e cada morador sabe um pouquinho delas, porque elas não só se renovam como também surgem outras, como o assalto ao Banco Central, por exemplo. Então, quem sabe, esse texto não será o último sobre essa cidade nesse blog.


CA Ribeiro Neto
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* Ontem foi o primeiro ensaio da nova banda! Foi um começo legal, mas ainda há muito por vir.
* Blogs de Quinta com a capacidade máxima! 15 membros! Mas nem todos ativos...
* Atenção aos quinteiros,  Ação Blogs de Quinta - 7 filmes que marcaram a sua vida! Todos que quiserem participar, postem sua lista de 7 filmes na próxima quinta.
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ESCUTANDO NO MOMENTO: Comportamento Geral - Gonzaguinha
LENDO NO MOMENTO: 100 melhores crônicas brasileiras - Joaquim Ferreira dos Santos - pg. 322 // Dom Casmurro e os Discos Voadores - Machado de Assis e Lucio Manfredi - Cap. 2

Boa Sorte

6 comentários:

lucas lima disse...

Grande Carlos,sempre me alegram e me divertem seus textos,adorei na forma que você passou de um tema para outro totalmente diferente,como você foi buscar a etimologia das gírias cearenses.

Como você consegui passar de falar do nosso belo duplo por-do-sol,logo para a origem histórica da gíria "baitola",isso é sensacional(ótima palavra para definir essa parte do texto).

Mas no entanto como você foi buscar na historia nossas afluentes linquísticas que são preciosas de informação e cultura,para que o povo com preconceito saiba que o nosso conceito de autonomia linquística é uma das maiores e mais belas.

E viva ao Dragão do Mar.

E Viva ao primeiro Stand-up.

Parabéns!

Um abraço!

Tainan Fernandes disse...

uheuehiue adorei! ri muito. muito inteligente! adorei a foto do blog dessa semana. :) e até que enfim vai atender ao pedido do cabeça, hein?! hehe.
gostei muito!

Marcos Paulo Souza Caetano disse...

Quer coisa mais cearense que o Stand Up? hehehehhe, acho que Deus quando criou o cearense assistiu a um show de stand up do chico anísio, kkkkk

Ai ai, Carlinhos, boas colocações! E um "iiiiiieeeeeeeeeeeeeeeeeeeiiiii" pra vc tb, rsrs.

Abraços!

P.S.: Ei, sobre esses filmes, sou obrigado mesmo a colocar? É que não faz muito o estilo de meu blog :S
Mas qqr coisa penso na situação. Depois me explique mais coisas, não sabia dessa ação.

Thiago César disse...

"subiram até o térreo" o q mah!
o térreo eh a parte mais baixa do prédio... hehe!

tah massa o texto, dessas coisas eu soh sabia do "baitola" e da "terra da luz"...

CA Ribeiro Neto disse...

É verdade, Cabeça, corrigido!

Paulo Henrique Passos disse...

PERFEITO!

Tu contextualizou tudo direitinho, cara, pôxa, muito massa.

Falando sério, Fortaleza certamente agradece o grande cronista que ela tem.