A dança da alegria

A dança da alegria - CA Ribeiro Neto

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Você tem uma vizinha meio Macabéa?

Um ensaio literário, nada científico.


Você tem uma vizinha meio Macabéa?



Qual o poder de um personagem? É óbvio que sem eles não há histórias, há cenários. Mas criá-los não é só decidir quem vai mediar os verbos do texto. Dom Quixote, Hamlet, Dorian Gray, Capitu, Policarpo Quaresma, Macabéa e Baleia. Se você tem uma grau médio de leitura já deve ter ouvido falar de pelo menos 5 desses. O que eles têm em comum: se tornaram ícones da literatura sem mesmo existir.

Infelizmente, muitos personagens são mais conhecidos que seus criadores; mas isso também prova de que estes fizeram seu trabalho bem feito. Estes nomes citados servirão apenas como exemplos do poder real de um personagem bem estruturado.
 
Dom Quixote, de Cervantes, é o protagonista de um dos romances mais mais importantes da cultura ocidental. Um cara que enlouqueceu de tanto ler, se proclamou cavaleiro e saiu por aí a enfrentar dragões – ou moinhos, talvez! Resumindo em uma frase não se percebe o alcance desse livro. Mas, pensando um pouco, quando você fala bem de um livro que gostou, defende seu autor preferido de alguma acusação, não estaria enfrentando uma dificuldade, um moinho que insiste em rodar uma ofensa para o ar?
 
Quixote é tão importante que Lima Barreto se inspirou nele para escrever Triste Fim de Policarpo Quaresma. Outro personagem tido como louco – por seu país – e que há como causador da loucura a leitura! Lima é tão sarcástico, que coloca seus outros personagens tendo orgulho de não mais lerem. Policarpo era louco, mas deixou sua semente país. Ou o Brasil alguma vez se desvencilhou da imagem do que ainda pode ser?
 
Dorian Gray também é um eternizado e há quem ache que este é o nome do autor! Pobre Oscar Wilde é esquecido enquanto o Gray é citado por aí! Sua beleza e jovialidade era tão importante para si, que procurou a magia para não perdê-las jamais. Tanto não perdeu que marcou a principal obra decadentista mundial. E o que ele e os outros citados fizeram para tal: mexeram diretamente com os leitores. O personagem não precisa parecer seu vizinho, ser um super-herói ou pendurar uma melancia no pescoço. Ele precisa mexer com os sentimentos de quem os lê.
 
Capitu representa bem esse sentimento. Com seus olhos de ressaca, Machado fá-la criar um mistério que perturba Bentinho e seus leitores. Dom Casmurro foi praticamente o primeiro 'Você Decide'. Já vi discussões calorosas de defesas e acusações a Capitu; e aí eu pergunto, Machado fez ou não fez um livro e uma personagem perfeitos? [Para mim, ela é inocente].
 
Superficialmente, Romeu e Julieta parece ser a história mais conhecida de Shakespeare, mas e se a gente tentasse catalogar o número de frases mundialmente conhecidas de Hamlet? “Há algo de podre no reino da Dinamarca”, “Dormir, dormir, talvez sonhar...”, "Há mais coisas no céu e na terra, Do que sonha a tua filosofia" e, a mais conhecida, “ser ou não ser, eis a questão”. Vocês acabaram de ler literatura que, de tão eternizadas, viraram provérbios, ditos populares. Será isso o máximo que uma obra artística pode chegar da consagração?
 
E quando o personagem é criado para ser amado e odiado ao mesmo tempo? Macabéa, da Clarice Lispector, é inesquecível porque você quer entrar na história, puxar sua orelha e mandar ela tomar rumo na vida. Macabéa é mais importante que o livro em que está inserida, ou todos se lembram facilmente que o livro que ela protagoniza é 'A Hora da Estrela'?
 
Aliás, para não falarmos apenas de protagonistas, quando falamos em 'Vidas Secas', do Graciliano Ramos, lembramos primeiro do Fabiano ou da Baleia? Baleia era o cachorro de uma família de retirantes, praticamente um parente, que mais parecia nosso também. Já ouvi vários relatos de choro quando leram a parte de sua morte. Eu não chorei, mas confesso a garganta presa.
 
Há quem diga que romance é superior a contos, cronicas e poemas; a favor desse argumento, afirmam-se que seus personagens dificilmente se imortalizam. Mas só para não diminuir ninguém, Homero e Camões tiveram muitos personagens inesquecíveis. Tchecov, Machado, Lima Barreto e João do Rio têm personagens nos contos importantíssimos.
 
E então, vais mesmo fazer um personagem parecido com o seu vizinho?



CA Ribeiro Neto

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ESCUTANDO NO MOMENTO: Da cor do pecado - Nara Leão
LENDO NO MOMENTO: Tocaia Grande - Jorge Amado - pg. 108


Boa Sorte || ApontArte

8 comentários:

Hortência Siebra disse...

Vizinhas Macabéias não sei... Mas amigos literatos tenho sim! Que belo texto, Guto! *-*
É bom ouvir falar de literatura sem aquela carga acadêmica, sem todo aquele formalismo, utilizando unicamente a simplicidade, que é a grandiosidade, da Literatura!

Parabéns pelo texto!

Anônimo disse...

Gostei do texto, pois falou com uma visão realista do fatos e também porque abordou um assunto bastante observado por mim. Quando me apego a um personagem, sei exatamente de sua história, e quem a produziu, por isso este não perde os seus créditos, só faz com que os aumente. Mas... E para os outros leitores?
Acredito que quem costuma "ler pouco", ao ler uma história que goste muito, se encontre nela, se revelando o próprio personagem, lembrando mais dele, do que o nome do livro (não associa) ou do autor, e assim, passando para outras pessoas (como no caso das citações da obra de Shakespeare).
Eles gostam tanto do personagem, que esquecem da base, do princípio.
Assim sendo, esses autores e outros fizeram um bom trabalho, e cabe a nós dar ou não os seus devidos créditos.
Parabéns pelo texto!

Giovana disse...

Nossa, amei seu texto. Eu chorei mesmo com a morte da Baleia e concordo com vc em número, gênero e grau sobre Machado de Assis. Ele realmente criou personagens perfeitos e uma trama perfeito para não haver resposta e permanecer a dúvida!

Você tbm está certo sobre Dorian Gray! Quando era adolescente, até de fato pegar o livro na mão e ler Oscar Wilde, eu achava que Dorian Gray era um escritor..

Imagina poder escolher apenas um personagem destes que vc citou para fazer qualquer pergunta? Eu escolheria a Capitu e lhe perguntaria se ela realmente traiu Bentinho, mas só para depois eu dizer "Eu sabia que não!"...

Anônimo disse...

Acho que isso é uma crítica àquele texto do Pedro, que ele disse "como se escrever", em fazer bons personagens, e parecidos com pessoas que você conheça!

Paulo Henrique Passos disse...

Entre todos esses persongens, tem tambem Iracema, que na verdade já virou uma lenda. Essa personagem tem uma força incrível.

e sobre a pergunta que tu faz "...literatura que, de tão eternizadas, viraram provérbios, ditos populares. Será isso o máximo que uma obra artística pode chegar da consagração?" Acho que é por aí sim, é quando há uma força tal que quebra as barreiras de qualquer erudititsmo e toma a boca do povo. Só lembro de Machado, que no conto "um homem célebre" o personagem compôs uma polca que já "ia chegando á consagração do assobio e da cantarola noturna"

e sobre personagens baseados em "vizinhos", acho que é válido. afinal, quem mais mexe com a gente é quem consegue se aproximar mais, é quem é mais próximo. No mais, não é exatamente o personagem em si, mas o modo como ele é apresentado que o eterniza; é quase sempre o "como" e não o "o quê".

Marcos Paulo Souza Caetano disse...

Muito bom o ensaio, Carlinhos. Como sempre, você me fez rever meus conceitos de literatura. E isso é sempre bom.

Um abraço e saudade, do grupo também.

Aproveite e me diga, ainda estão no mesmo horário e mesmo local?

Marcos Paulo Souza Caetano disse...

Sim, Carlim, pretendo retornar ao Blogs de Quinta, coméquifaço?

A moça da flor disse...

Policarpo é tu! auehueahuaehueah
e eu sempre lembro sim que a Macabéia é da Hora da Estrela.
É muito interessante a força de influência que esses personagens emblemáticos tem... Se eu fosse Junguiana ia dizer que são os arquétipos.. hehe.