A dança da alegria

A dança da alegria - CA Ribeiro Neto

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A era Gil

Um texto que há muito tempo eu queria fazer.



A era Gil



Gil passava pelo mesmo corredor, novamente. Um último jogo da carreira, depois 20 anos de jogador profissional, foi o motivo de voltar ao clube onde tudo começou.

O presidente da agremiação foi buscá-lo em casa, com fortes seguranças e ao descer do carro, uma chuva de flaches fotográficos. Tudo tão diferente e ao mesmo tempo parecido com o seu começo. Tantas vezes tentou a peneira e tantos nãos recebidos, e sua mãe decidiu que só tentaria mais uma vez. No caminho da última peneira, seu ônibus, atrasado, encontra um manifestação de professores lutando por melhores salários, o motorista atropela um dos manifestantes e os mesmos brilhos fotográficos da imprensa. Podia ser seu pai, professor, atropelado.
 
Entrou na sede do clube e foi direto para a coletiva com os jornalistas. Lembrou-se então, que na última peneira, colete número 17, ele marcou três gols, mas não comemorou. O olheiro o chamou e perguntou sua idade. 16. já erá velho demais. Mas o presidente, o mesmo de hoje, gostou; logo, foi contratado.
Encontrou-se com os outros jogadores e, durante a preleção do técnico, professor, pediu para falar também. Emocionado, lembrou que futebol é um esporte coletivo e que ele não seria nada sem seus companheiros. Típico discurso de jogador de futebol. O que vinha na cabeça dele, na verdade, era que ele contou também com muita sorte ou a falta de sorte dos outros. Os outros centroavantes do sub-16 eram muito ruins, o camisa 9 titular e o substituto imediato estavam contundidos e então ele foi levado ao time principal por força do destino.
 
Em sua primeira partida ele estava no banco de reserva, camisa 17, de um time com 3 volantes e sem atacante de área. Como no primeiro tempo o time estava perdendo de 2 a 0, ele entrou no começo do segundo, na saída de um dos cabeças de área. Com dois pontas, um maestro, um volante de ligação e dois laterais medianos para lhe servir e mais um zagueiro meio manco no time adversário, ele fez mais 3 gols. Caiu nas graças da torcida.
 
Indo para o estádio, um pagode no fundo do ônibus. Fechou os olhos por um momento e lembrou do mundo que lhe apareceu depois daquele jogo. Festas, bebidas, mulheres. Por pouco não experimentou drogas, se não fosse pelo zagueiro Zé Luiz, um cherifão que lhe impediu no momento e que agora ele é inteiramente grato.
 
No vestiário, abraçou calorosamente o roupeiro do time, o mesmo que lhe deu a camisa 17 para vestir a vinte anos atrás. Olhou bem para ele e disse: “todo roupeiro de cada clube é sempre o maior torcedor de todos, mas você foi o primeiro que acreditou em mim. Entregou meu uniforme, segurou a minha mão e ordenou que eu me tornasse ídolo. Aqui estou eu para bater continência!”. O roupeiro chorou e molhou a nova camisa 17, a que ele usaria hoje.
 
Aquela camisa amarela e cinza, do Real Messejana, era especial. Já vestiu outras, nacionais, internacionais, da seleção brasileira, fora até apelidado na Itália como Impiedoso, mas a famosa “ouro e prata” era, para ele, a mais bonita. Correu para dentro do campo e escutou a torcida gritando novamente seu nome. Esperto, pediu antecipadamente que a imprensa não tivesse acesso ao campo; assim, sua despedida seria bem mais bonita. Percorreu todo o entorno do campo, acenando para a torcida que o aplaudia de pé.
 
Em seu último jogo, marcou 3 gols e saiu no meio do segundo tempo. Estava finalizada a era Gil. O impiedoso não deixou de agradecer a ninguém tudo que viveu e a todos que influenciaram para que a vida dele se encaminhasse ao que é hoje. Lembrou-se, então, quando lhe perguntaram o que iria fazer após se aposentar e ele respondeu: “Provar a vocês que continuo vivo”.

CA Ribeiro Neto
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ESCUTANDO NO MOMENTO: Um homem também chora - Gonzaguinha
LENDO NO MOMENTO: Orgulho e Preconceito - Jane Austen -  pg. 178 || A Normalista - Adolfo Caminha - pg. 168 || O Cravo Roxo do Diabo - org. Pedro Salgueiro - pg. 27. 



Boa Sorte ||

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